quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

FSM: uma reinvenção necessária


Infelizmente, não pude participar da atual edição do Fórum Social Mundial (FSM). Entretanto, acompanho atentamente o Fórum desde o início, em 2001. Participei, inclusive, de algumas edições. Sinto-me, então, em condições de dar alguns "pitacos" sobre o debate em curso em relação ao futuro do "processo" - principal tema em questão no FSM realizado em Porto Alegre.


Tal discussão existe, na verdade, há tempos, mas parece ter ganho centralidade por conta do carácter auto-reflexivo da corrente edição, focada no balanço dos 10 anos do movimento.

Creio que o Fórum cumpriu um importante papel, especialmente nos seus primeiros anos. Ele contribuiu muito para a desmistificação, no plano simbólico, do "pensamento único" e para a articulação, em nível internacional, da resistência ao neoliberalismo. Todavia, considero que sua proposta inicial - ajustada ao período anterior, em que a esquerda e os movimentos sociais estavam numa defensiva brutal (bem maior do que agora) - está esgotada. Tal situação pode ser observada, entre outras coisas, na crescente diminuição tanto da repercussão quanto do número de participantes do encontro.

As explicações para tal fenômeno são múltiplas. Porém, acredito que uma é decisiva: a incapacidade da proposta vigente [1] em dar conta do novo momento, caracterizado pela urgência da construção - exigida cada vez mais pela ascensão (mesmo que localizada) das lutas sociais, pela eleição de governos de esquerda ou progressistas e pela deslegitimação do "Consenso de Washington" - de uma alternativa política ao capitalismo [2] e pela demanda por uma maior articulação, em escala mundial, das mobilizações contra a ordem do capital.

Assim, para enfrentar os novos tempos, o FSM precisa se reinventar. Aliás, pelo visto, tal posição é compartilhada por alguns intelectuais e dirigentes presentes em Porto Alegre. Emir Sader, por exemplo, afirmou numa mesa do Fórum que:


“O Fórum tem que discutir temas centrais de alternativas. Não podemos nos limitar a debater questões sociais. Quem quiser discutir superação do capitalismo sem discutir o Estado que queremos estará girando em falso. A resistência eterna é o caminho da derrota, e o Fórum tem que se abrir para este processo senão ficará para trás. Tem que se reciclar e aderir a esta dinâmica” [3]

Entretanto, existem alguns limites para tal reinvenção, pois o "processo" FSM agrega um leque de setores bastante amplo (anarquistas, pós-modernos, marxistas, social-democratas etc.). Portanto, não considero factível a transformação, sugerida por Gilberto Maringoni [4], dos Fóruns Sociais em "Fóruns Políticos Mundiais" (menos possível ainda a transformação do Fórum numa "V Internacional"). A pluralidade existente, harmonizável no contexto de uma proposta defensiva, não conseguiria se manter diante de uma configuração mais propositiva. Vale lembrar, para ilustrar o tamanho do problema, as enormes diferenças de avaliação quanto aos governos de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa (da oposição sistemática até o apoio incondicional).

Isso não significa que discorde da proposta - feita, entre outros, por Chávez - de criação de uma "V Internacional" ou de algo do gênero. Ao contrário, acho que a demanda por uma alternativa política exige, para assumir uma forma concreta, a construção de uma organização internacional (em marcos muito distintos das experiências históricas anteriores). Apenas acredito que tal "Internacional" (ou tais "Internacionais") deverá ser viabilizada para além do FSM, catalizando setores que atuam no Fórum e possuem posições mais próximas.

Na minha opinião, uma saída viável seria a transformação do Fórum num espaço, formado por movimentos e ativistas sociais (e, talvez, também por agrupamentos políticos de esquerda e progressistas), de discussão e definição, através do consenso, de uma pauta e de um calendário de lutas globais. Deste modo, o FSM assumiria uma função mais afinada com o contexto vigente e, ao mesmo tempo, complementar ao papel eventualmente cumprido por um  (ou mais) "Fórum Político Mundial".

Sem uma atualização, o Fórum corre o risco de definhar, gradativamente, até desaparecer. Um resultado que, tendo em vista as vitórias obtidas ao longo de 10 anos, seria lamentável.

Notas:

[1] A proposta do Fórum está resumida em sua "Carta de  Princípios". Conforme tal carta, o FSM funciona como uma espécie de "facilitador", já que estimula convergências entre entidades da "sociedade civil" (ONGs e movimentos sociais) e que não adota resoluções (as resoluções saídas dos Fóruns são aprovadas em espaços, impulsionados por entidades com interesses semelhantes, que ocorrem durante os eventos, como a "Assembleia dos Movimentos Sociais"). Além disso, o FSM tem como objetivos, desde o início, incentivar as  lutas sociais e servir de contraponto ao Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos (Suíça).

[2] Tal alternativa é, desde antes da realização do primeiro FSM, uma necessidade objetiva.  Entretanto, por conta da conjuntura extremamente desfavorável do final da década de 90 e início do século XXI (entre outros fatores), estava fora da pauta da maior parte dos setores agrupados em torno do Fórum. Na época, o foco era a resistência à ofensiva neoliberal.

[3] http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16357

[4] http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4524

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