sábado, 16 de janeiro de 2010

Algumas observações sobre a polêmica em torno do Programa Nacional de Direitos Humanos


O debate em torno do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH III) tem ocupado as páginas da grande mídia e da mídia alternativa. Os virulentos ataques desferidos por parcelas dos setores conservadores e, principalmente, por reacionários de várias matizes (militares, parte substancial da hierarquia eclesiástica etc.) colocaram, alguns dias depois do pouco falado lançamento do programa, o assunto definitivamente em pauta. Aliás, esse é um aspecto positivo do episódio, já que, ao que tudo indica, sem tal polêmica a questão ia passar totalmente desapercebida, inclusive para a maior parte dos militantes de esquerda e ativistas sociais.



Diante das várias críticas feitas pela direita ao programa, os setores comprometidos com os "de baixo" estão reagindo através da defesa do PNDH III e da permanência do ministro Vannuchi (ver, por exemplo, o "Manifesto em defesa do PNDH III"). Tal postura é absolutamente compreensível e mesmo correta (para ressaltar tal comentário, vale notar que  assinei e divulguei o manifesto).

Entretanto, é necessário enxergar para além do tiroteio. Sem isso, corremos o risco - e aqui dialogo especialmente com os militantes socialistas críticos ao governo Lula - de, em nome do combate à direita, acabar fazendo o jogo daqueles que querem importar a dualidade "democratas versus republicanos", vigente nos Estados Unidos, para o Brasil. Como diria um amigo, não estamos às vésperas da ascensão de Hitler ao poder - algo que justificaria uma amplíssima unidade para evitar um mal efetivamente maior.

Assim, são importantes alguns registros:

1) A "era Lula" foi, até o momento, um fiasco na questão dos Direitos Humanos. Os arquivos mais significativos da ditadura civil-militar continuam "sumidos" e o paradeiro dos restos mortais da ampla maioria dos desaparecidos permanece desconhecido. Além disso, a relação com os militares - para citar apenas mais um exemplo - não foi alterada. Não são fatos do acaso as chantagens, os atropelos (chefes das forças militares fazendo contato diretamente com o presidente, quando deveriam se reportar primeiramente ao ministro da defesa), as reivindicações institucionais da "Revolução de 64" e as músicas proto-fascistas - sobre a guerrilha do Araguaia e afins - até hoje entoadas nas escolas militares. Cabe lembrar que governos de outros países da América Latina com um  "pedigree" de esquerda muito menos "nobre" do que o do governo Lula foram muito mais corajosos  no enfrentamento de tais questões e avançaram bem mais.

2) O PNDH III é uma carta de intenções. Não existe (e não existia antes da polêmica) nenhuma garantia de que o governo vai, da fato, encampar as posições expressas no programa. Mais do que isso, tudo indica que, infelizmente, tal iniciativa não vai sair do papel, já que: a) o programa, em tese, vai ser desdobrado no último ano de mandato de Lula (ano de eleições e, tradicionalmente, de maior fragilidade operativa dos governantes brasileiros); b) que o governo tem demonstrado pouca disposição para comprar brigas; c) que, até então (sete anos), o governo não avançou nas questões tratadas no programa, embora todas sejam bandeiras antigas dos defensores dos Direitos Humanos (boa parte delas, inclusive, esteve no programa de governo de Lula em 2002);  d) que os aliados do governo - e, potencialmente, apoiadores da candidatura de Dilma - são, em boa parte (PMDB, PP etc.), refratários aos temas tratados no documento.

3) Diante da proximidade da sucessão presidencial, interessa ao governo (e sua candidata) afagar, através de iniciativas  simbólicas, o eleitorado de esquerda (cerca de um terço do eleitorado nacional). Para  boa parte de tal eleitorado, a discussão sobre o PNDH significa uma inflexão à esquerda do governo e, por conta  da reação da direita, um motivo nobre para um engajamento mais ativo no apoio à candidatura de Dilma.

Frente às observações levantadas acima, a esquerda "mudancista" deve combinar - sem sectarismos - a defesa do PNDH III (e da permanência do ministro Vannuchi no governo) com a construção, aproveitando a mobilização gerada em torno do assunto, de um amplo movimento pela implementação real do programa, seja qual for o governo (Lula, Dilma, Serra etc.). Somente assim será possível avançar para valer na construção de um país melhor, que respeite os Direitos Humanos.

Um comentário:

  1. pois é... afinal, o tema entrou na pauta. agora é importante não deixar a peteca cair.

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